“As aparências deram lugar às verdades e ficou claro que só
se enxerga o que se quer”
Andréia Comin, autora do texto Gestando na sala dos professores, publicado no livro Ao professor, a palavra, nasceu em Espumoso/RS em 08/02/1979 e é graduada em Geografia (licenciatura e bacharel) pela Universidade de Passo Fundo (UPF). É pós-graduada em Docência em Educação de Jovens e Adultos (Senac); Educação a Distância: Gestão e Tutoria (Uniasselvi); Supervisão Escolar e Orientação Educacional (Ucam) e Gestão Escolar (Faveni).
Já lecionou as disciplinas de Geografia, História, Ensino
Religioso e Projeto de Literatura em mais de 15 escolas de Passo Fundo, Marau e
Carazinho, atuando como professora, diretora, vice-diretora e coordenadora
pedagógica.
Atualmente mora em Carazinho e é professora de Geografia e
coordenadora pedagógica na Escola Municipal de Ensino Fundamental Capitão
Aristides Gabriel Haeffner, e também coordenadora pedagógica na Escola Estadual
de Ensino Médio Marquês de Caravelas.
1. Quando você se olha no espelho, o que você vê?
Uma pessoa disposta a fazer
o meu melhor a cada dia e em diferentes aspectos: como filha, como mãe, como
companheira, como amiga, como profissional, como cidadã. Fazer o melhor por mim,
pois tenho consciência das minhas falhas e fraquezas; porém sei que tenho
força, coragem, capacidade e necessidade de melhorar a cada dia.
2. Você já atuou em diferentes frentes dentro da escola: foi professora,
diretora, vice-diretora e coordenadora pedagógica. Qual destas funções foi a
mais desafiadora e por quê?
Resposta difícil, pois nossos
pensamentos mudam e nossas experiências nos fortalecem. Sinto que, no início da
minha trajetória, todas as funções pareciam muito desafiadoras e ainda são, todavia
– e este é um fator determinante – faço o que gosto e gosto do que faço. Assim,
minhas funções, embora desafiadoras, jamais se tornaram laboriosas.
Trata-se de trabalhar com
pessoas, indiferente da função. O que exige valores e sentimentos que devemos
estar dispostos a compartilhar. Confesso que me sentir desafiada me atrai, me desacomoda
e me impulsiona.
Sendo assim, espero jamais deixar de sentir-me desafiada em minhas funções profissionais.
3. Em um determinado parágrafo de seu texto, Gestando
na sala dos professores, você conta sobre as conversas e
trocas de ideias que acontecem na sala dos professores. Você diz que, ali, “Nascem frases como (...) ‘Se escrevêssemos um livro, será que seria
tragédia ou comédia?’”.
Passo esta pergunta
pra você, Andréia: se os professores brasileiros
escrevessem um livro, seria tragédia, comédia ou quem sabe um romance
tragicômico?
A percepção dos fatos que ocorrem no ambiente escolar é
bastante heterogênea. Talvez exista quem veja como um drama sem fim, outros
como autoajuda, quem sabe ficção. A minha percepção é que seria uma literatura
surpreendentemente diversificada, pois se trata do Brasil, o quinto maior
território do mundo, demarcado por desigualdades além de fronteiras. Confesso
que me sinto uma privilegiada com minha inesgotável esperança.
Sendo assim, na minha percepção, visualizo um conto em que,
no final, tudo se resolve – e caso não tenha se resolvido, é porque ainda não
chegou ao fim. Não estou dizendo que tudo termina com um “felizes para sempre”,
mas que, de alguma forma, se resolve. Desistir é o único acontecimento que não
cabe neste conto.
Embora, no Brasil, nós, professores, não sejamos valorizados e respeitados como deveríamos e gostaríamos, precisamos ter clara a nossa responsabilidade com a sociedade e com o nosso país. Talvez, este livro seja gestado nas diversas salas de aula, porque o final que esperamos ainda está para ser escrito.
4. Com a pandemia,
os professores viram-se diante de uma infinidade de desafios: precisaram se
adaptar às novas tecnologias e necessidades em uma velocidade impressionante e
reaprender a se comunicar e educar através da tela de seu computador ou
celular. Olhando em retrospectiva, quais as principais transformações que a
professora Andréia vivenciou neste um ano de
pandemia?
No ano de 2020 eu atuava como professora e coordenadora
pedagógica. A principal transformação, e a mais difícil, foi a falta do toque,
do diálogo diário, de ver no olho do aluno se ele me entendeu ou não, de fazer
a leitura corporal do outro. Junto com essa falta, a angústia de estar limitada
às possibilidades de ajuda. Observar o aumento do desinteresse dos estudantes
com o passar do tempo. O não comprometimento de alguns pais e o conformismo com
o comodismo cognitivo dos filhos. A solicitação de afazeres determinados de
forma súbita e sem embasamento claro aos meus colegas professores, as mudanças repentinas
de orientações. O imprevisível do dia seguinte. A obrigação de produzir quando
o momento mostrava a necessidade de desacelerar, nem que fosse por um instante.
Concluo que foi um ano de aprendizados, olhares diferentes,
descobrimentos, mas também de angústia, insegurança e medo. A sala de aula era
normalmente do professor e dos seus alunos; contudo, em instantes, abrimos as
portas e todos puderam entrar.
Mesmo assim, contraditoriamente, precisamos conviver com críticas fortes, como “não querem trabalhar”, “não querem dar aula”... Como se nós fôssemos os responsáveis pelas decisões educacionais referentes ao momento pandêmico. Enfim, as aparências deram lugar às verdades e ficou claro que só se enxerga o que se quer.
5. Em seu texto,
você diz:
“Há algumas décadas o professor vem sentindo
o peso do desempoderamento familiar em nossa sociedade, substituído por valores
diferentes que, muitas vezes, não são aqueles que contamos como apoio. Sim, a
família é um apoio; sem ela, nosso trabalho é mais desafiador, há questões as
quais não conseguimos contornar apenas pedagogicamente”.
Como você, enquanto
professora, lida com a negligência das famílias em relação à educação dos
próprios filhos?
A caminhada pela profissão ensina. Aprendi a não desistir. Mesmo com a falta do apoio familiar há o nosso aluno, principal objetivo do nosso trabalho. A família que negligencia a educação do próprio filho muitas vezes vem com um histórico relacionado a problemas sociais, outras vezes só se trata mesmo de egoísmo e tantas outras por suas experiências de vida, nem sempre positivas. Talvez não se entenda e nem se aceite os motivos da família pelo não se importar com a vida educacional do aluno – e pior: ser indiferente e alheia ao seu processo de aprendizagem. Sim, famílias ausentes tornam mais moroso e desafiador o trabalho da escola, pois os cuidadores, os primeiros a ensinar e proteger, deveriam ser a família, o que nem sempre ocorre. Tem-se o conhecimento de cizânia em algumas famílias. Alguns pais são os problemas dos filhos. Não é fácil e por isso é tão importante a construção de uma rede de apoio às escolas e aos profissionais da educação, com suporte jurídico, psicológico e pedagógico.
Ensinar e aprender já demanda um processo de desconstrução e
reconstrução, de disposição, e sem suporte fica tudo muito mais doido.
Como lido com tudo isso? Compreendendo que todos são capazes
de aprender e que o meu dever é com o meu aluno.
6. Olhando para o
futuro a curto, médio e longo prazo, como você vê a educação no Brasil amanhã?
Creio que estamos vivendo
em meio a lentas mudanças educacionais em nosso país. Sim, de modo discreto. O
fato é que tudo me parece desordenado, sendo realizado conforme os desafios
surgem. Exemplo é a questão da pandemia e das aulas híbridas. Não foi planejada
a inserção desse modelo, foi imposta devido às circunstâncias. Ou seja, em meio
às mudanças, há possibilidades reais e maiores de falhas, pela adaptação da
nova forma de fazer o novo sem estrutura e planejamento, seja para os docentes
seja para os discentes. Além das questões pedagógicas e de infraestrutura, ainda
observo, no contexto educacional, a ignorância da realidade por parte daqueles
que determinam os fazeres nas escolas. A educação não deveria ser lugar de
experimentos, sem medir os danos e efeitos colaterais que podem causar nos
estudantes.
Como uma boa otimista,
esperançosa e realista, quero acreditar que a educação no Brasil irá se tornar,
algum dia, prioridade – não só do poder público, mas também da sociedade. Primeiramente
precisamos diminuir as imensuráveis e indecentes desigualdades em nosso país, oferecendo
educação de qualidade para todos.
As mudanças na educação precisam
de resultados positivos para transformar.
No momento, percebo
instituições e trabalhadores da educação lutando por mudanças no contexto
educacional de nosso país, mas infelizmente uma parcela muito pequena da sociedade.
Mas se há luta, há
possibilidades de mudança.